Por que Sócrates agiu eticamente ao aceitar a morte mesmo sabendo que foi condenado injustamente?
Sócrates, um dos maiores nomes da filosofia ocidental, foi levado a julgamento em Atenas no ano de 399 a.C., acusado de três crimes considerados graves para a sociedade da época: corromper a juventude, não reconhecer os deuses da cidade e introduzir novas divindades, especialmente ao falar de um daimon — uma espécie de voz interior que o guiava.
Diante do tribunal, Sócrates não tentou se esquivar das acusações com bajulações ou artifícios retóricos. Pelo contrário, fez uma defesa firme e coerente, registrada por seu discípulo Platão na obra Apologia de Sócrates. Afirmou que sua vida sempre foi dedicada à busca da verdade e da virtude. Não se via como um mestre, mas como alguém que fazia perguntas para despertar a reflexão nas pessoas, desafiando crenças automáticas e ilusões de sabedoria.
Sócrates destacou que nunca obrigou ninguém a segui-lo, nem impôs suas ideias — seu papel era provocar o pensamento crítico. E mais: afirmou estar cumprindo uma missão filosófica que, segundo ele, lhe fora dada por um deus. Esse chamado interior, simbolizado pelo seu daimon, o impelia a questionar, mesmo diante de riscos pessoais.
Dito isso, é importante mencionar que Sócrates encarava a morte com serenidade e até com certo otimismo. Em sua visão, as pessoas temem a morte sem sequer saber se ela é realmente um mal. Ao ser condenado, Sócrates sugeriu que, em vez de estar sendo punido, pode estar sendo recompensado, pois ninguém pode afirmar com certeza o que há após a morte. Ele mesmo relatou ter tido um sonho em que a morte lhe parecia um bem, não um mal.
Na tradição da época, sua execução só ocorre após a chegada de um navio, e durante esse período, Críton e outros amigos se angustiam com a proximidade do fim. Partindo da crença comum de que a morte é um mal, Críton realizou todos os preparativos para ajudar Sócrates a fugir, não medindo esforços nem recursos para convencê-lo a escapar. No entanto, Sócrates permaneceu firme em sua decisão: ele não está disposto a fugir. Em vez disso, decidiu seguir sua consciência — aquilo que, para ele, é o certo.
Sócrates sustentou que não devemos seguir o senso comum em tudo, pois a maioria das pessoas nem sempre sabe o que é o melhor. Assim como em práticas específicas, como a ginástica, seguimos a orientação de um especialista e não da multidão, o mesmo deve valer para questões morais.
Quanto ao plano de fuga, Sócrates entendeu que colocá-lo em prática implicaria cometer diversas injustiças — algo totalmente incompatível com os princípios que defendeu ao longo de sua vida. Ele acreditava que praticar uma injustiça, mesmo em resposta a outra, é inadmissível. E fugir seria exatamente isso: uma injustiça contra as leis da cidade que ele, conscientemente, escolheu obedecer. Afinal, quando teve a oportunidade de se exilar durante o julgamento, recusou essa proposta. Se agora aceitasse fugir, estaria contradizendo sua escolha anterior e seus próprios princípios.
Além disso, as leis atenienses permitiam ao cidadão emigrar livremente, e Sócrates jamais optou por sair de Atenas, mesmo tendo tido inúmeras oportunidades. Ao contrário, ele participou da vida pública da cidade, combateu em suas guerras e esteve presente em quase todas as suas festividades. Isso demonstra que aceitava e respeitava as leis atenienses. Rompê-las agora seria, para ele, um ato de deslealdade que enfraqueceria a própria estrutura de Atenas.
Vale ressaltar que Sócrates entedia que decisões verdadeiramente ruins trazem consequências negativas — tanto no plano coletivo, como o enfraquecimento das leis da cidade, quanto no plano individual. Ele pondera que, ao fugir, sofreria com a perda de sua autoridade moral e com a impossibilidade de continuar seu trabalho filosófico. Isso o tornaria alvo de zombarias, além de forçá-lo a viver à base de favores — uma vida indigna para alguém que defendia que não devemos apenas viver, mas viver bem.
Assim, ele segue para a morte com tranquilidade, fiel à sua consciência, ou seja, agindo eticamente — de acordo com a ética das virtudes, que considero ser a melhor.
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