O que é um bom ser humano?
Então... se não formos muito exigentes, podemos dizer que um bom ser humano é aquele que tem mais vícios do que virtudes — mesmo que seja só um pouco a mais — e, com isso, se comporta racionalmente em pelo menos 51% das vezes; nas outras 49%, age seguindo cegamente alguma inclinação ancestral, ou se mostra desatento, e assim pratica algum vício.
Mas, cá para nós, esse é um ser humano "bonzinho", não exatamente um bom ser humano. Assim, entendo que um bom ser humano deve, para começar, apresentar um percentual bem mais alto do que esse — talvez se comportar racionalmente em 90% das vezes (especialmente em situações cruciais), ou seja, ser estavelmente racional.
No entanto, ser estavelmente racional, a meu ver, ainda não é condição suficiente para vermos a pessoa como um bom ser humano. Isso porque agir racionalmente é agir com base no que se sabe até o momento. E, se a pessoa não sabe quase nada (o que inclui possuir um “saber” que não reflete razoavelmente bem a realidade), ela ainda errará bastante. Certamente, não podemos ter como exemplo de bom ser humano alguém que erra mais do que acerta.
Dessa forma, um bom ser humano, além de ter o hábito de agir com base no que sabe, deve também possuir um nível elevado de sabedoria, pois, assim, suas escolhas tenderão a produzir resultados bons em termos objetivos.
A noção de bom ser humano que acabo de oferecer reflete um argumento da filosofia aristotélica, que traz basicamente a ideia de que avaliamos cada coisa por suas qualidades específicas, que remetem a uma finalidade. Só consideramos algo como "bom" se, na prática, ela demonstra ser capaz de fazer valer suas qualidades e cumprir com aquilo que esperamos dela.
Por exemplo: chamamos de "faca" o objeto que tem como qualidade específica a capacidade de cortar, mas só consideramos uma faca boa se, na hora de usá-la, ela de fato cumprir bem essa finalidade.
Da mesma forma, queremos ver intenção somada a um resultado objetivamente bom para considerarmos alguém como sendo um bom ser humano. Para isso, é necessário que ele possua um nível razoável de sabedoria e tenha habilidades para, na hora do “vamos ver”, conseguir colocá-las em prática — ou seja, conseguir agir sabiamente.
Por exemplo, não vamos aplaudir uma pessoa que se jogou em um rio com a intenção de salvar uma criança, mas que, no fim das contas, foi levada pela correnteza e fracassou na tentativa de salvamento. Contudo, se essa pessoa decidiu salvar a criança com base em razões válidas — porquês que mostram que vale a pena salvá-la — e ainda soube como fazê-lo (como, por exemplo, andar um pouco mais pela margem antes de se jogar no rio, levando em consideração a força da correnteza e usando-a a seu favor para se aproximar da criança), aí sim ela cumpre com nossa expectativa: a de alguém que possui um bom grau de saber e age de acordo com ele.
No caso do ser humano, chamamo-lo de sábio e racional quando demonstra um conjunto razoável de saberes que refletem bem a realidade, e habilidades para agir com base nesse saber — em vez de agir impulsivamente ou sem prestar atenção aos detalhes da situação.
Assim, nossa expectativa para o ser humano é que ele faça escolhas que gerem resultados objetivamente bons em qualquer situação (ou, como dissemos, pelo menos em 90% delas). Não nos interessa se alguém apenas "tinha boa intenção" — mesmo que baseada em razões — se o resultado foi ineficaz ou desastroso.
Uma pessoa que cumpre com essa expectativa com elevada frequência é quem deveria ser modelo de referência, capa de revista. Talvez uma revista chamada O Magnânimo, que foi o nome que Aristóteles deu ao seu modelo ideal de ser humano.
Mas, infelizmente, ainda vivemos em uma cultura que não valoriza as virtudes em alto grau.
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