O que são as virtudes?

Assim como as emoções, as virtudes são algo que conseguimos perceber com certa facilidade, mas compreender o que elas realmente são é mais difícil. Felizmente, Aristóteles se dedicou a estudar as virtudes minuciosamente, e seus escritos nos orientam em direção a uma boa compreensão delas. 

Ele percebeu que, na raiz do agir racional, existem dois tipos de virtudes: as intelectuais e as morais. As virtudes morais seriam princípios ou regras que, quando colocadas em prática, chamariam a atuação das virtudes intelectuais, permitindo-nos escolher o melhor objetivo para a situação.

Aristóteles também notou que, para cada emoção que nos impulsiona em direção a algo, deveria existir uma virtude moral específica, responsável por nos ajudar a escolher o melhor objetivo enquanto estamos sob o impulso de uma emoção. 

Por exemplo, no caso do medo, haveria uma virtude moral específica, que chamamos de coragem, que seria uma regra que, se seguida, nos ajudaria a raciocinar sobre qual seria o melhor objetivo, independentemente de estarmos ou não sentindo medo. 

A meu ver, essa regra poderia ser algo como: “preciso escolher o melhor objetivo na presença ou ausência do medo”, o que pode ou não ser o objetivo para o qual o medo nos direciona: o de escapar da ameaça.

Note que a virtude moral da coragem, sozinha, não faz "milagres"; ela apenas nos leva a raciocinar, ou seja, chama a atuação das virtudes intelectuais. Estas sim, seriam as principais responsáveis pelo processo que leva à manifestação do agir racional. 

Mas como esse processo acontece? Inicialmente, a virtude moral, ao chamar nosso raciocínio, nos estimula a avaliar melhor a situação. No exemplo do medo, ela nos leva a perguntar: “Estou realmente diante de um perigo que não consigo enfrentar e que me causará um mal?”. 

Se a resposta for sim, então podemos buscar o objetivo de escapar da ameaça, pelos meios que acreditamos serem os melhores. Isso representa aceitar a orientação oferecida pela emoção do medo, ou seja, aceitar as primeiras avaliações feitas, mas de forma consciente.

Porém, se nosso raciocínio nos levar a reavaliar a situação, questionando: “Espera, essa ameaça eu consigo enfrentar, e vencê-la me trará um bem”, podemos então escolher um outro objetivo, o de eliminar a ameaça (e não o de escapar dela). Isso representaria a revisão da orientação inicial oferecida pelo medo, substituindo-a pela de eliminar a ameaça, o que nos levaria a sentir raiva em algum grau; ou seja, revisar nossas primeiras avaliações.

A meu ver, para conseguirmos aceitar ou revisar conscientemente nossas primeiras avaliações, precisamos colocar em prática duas virtudes intelectuais: o discernimento e a sabedoria. Como ensina Aristóteles, o discernimento é responsável pela boa avaliação das coisas, e só consegue fazer isso acessando nossa base de conhecimento mais atual, a sabedoria que temos até o momento. 

Assim, praticamos o discernimento e a sabedoria, por exemplo, quando, ao sentir medo, refletimos rapidamente se aquilo que nos assusta é realmente uma ameaça que não podemos enfrentar, e, portanto, se o objetivo de "escapar" é realmente uma boa opção, tendo em vista as consequências que ele trará.

Com isso, o discernimento, ao acessar nossa sabedoria, identifica os melhores meios para realizar o objetivo que ele estabeleceu como o melhor para o momento. Por fim, e não menos importante, está a atuação da virtude intelectual da prudência, também conhecida como sabedoria prática, que, na visão de Aristóteles, é responsável pela decisão em si — a escolha do objetivo e dos meios estabelecidos pelo discernimento. 

Sobre isso, vale uma reflexão: quantas vezes sabemos, no fundo, o que é melhor a fazer, mas não fazemos, ou fazemos de maneira inadequada, e no fim nos arrependemos, pois sabíamos que poderíamos ter agido de outra forma? Isso pode indicar que nossa prudência ainda precisa ser mais desenvolvida.

Agora, já conseguimos entender que uma pessoa corajosa tem a habilidade de agir racionalmente em situações que evocam, ou deveriam evocar, medo. Isso porque ela tem a virtude moral da coragem, ou seja, possui o hábito (ou habilidade bem desenvolvida) de seguir uma regra que ela mesma estabeleceu (uma autorregra) que a leva a raciocinar melhor quando sente ou deveria sentir medo. 

Além disso, ela consegue discernir, com base no que sabe até então, qual é o melhor objetivo e os meios mais adequados para a situação. Por fim, ela consegue tomar a decisão prudente de seguir tudo o que seu discernimento indica.

Note que existe uma diferença entre atuar com coragem quando já se é corajoso, e atuar com coragem sem ainda ser corajoso. No primeiro caso, a pessoa já tem o hábito (ou habilidade bem desenvolvida) de seguir uma autorregra que a faz raciocinar melhor em situações de medo. 

No segundo, ela ainda não tem o hábito (habilidade bem desenvolvida) de seguir essa autorregra, mas se esforça para fazê-lo, o que a possibilita agir bem em tais situações, embora provavelmente não tão bem quanto alguém que já possui a virtude da coragem plenamente desenvolvida.


Conclusões com base no que foi apresentado:

Virtudes em geral
As virtudes são qualidades que tornam possível o agir racional. Possuí-las significa ter a habilidade bem desenvolvida de agir racionalmente. Para Aristóteles, existem dois tipos de virtudes: morais e intelectuais. Na raiz de todo agir racional, pelo menos uma virtude moral e uma intelectual devem atuar.

A prática das virtudes envolve seguir uma autorregra e, em seguida, colocar em prática as virtudes intelectuais, permitindo a elaboração de atalhos mentais que utilizam nosso saber (tanto os atalhos recém elaborados quanto os já adquiridos no passado).

Virtudes morais básicas de trajetória:

  1. Coragem (para lidar com o medo ou a falta de medo)

  2. Moderação (para lidar com o anseio ou falta de anseio)

  3. Brandura (para lidar com a raiva ou falta de raiva)

  4. Curiosidade útil (para lidar com a curiosidade ou falta de curiosidade)

  5. Generosidade ou Amor (e autogenerosidade ou autoamor) (para lidar com a compaixão ou falta de compaixão, incluindo autocompaixão)

Virtudes morais básicas de resultado:

  1. Alegria consciente (para lidar com alegria ou falta de alegria)

  2. Tristeza consciente (para lidar com tristeza ou falta de tristeza)

É importante mencionar que pode ser necessário praticar a virtude moral básica mais de uma vez (seja de trajetória ou de resultado), mesmo depois de já ter nos ajudado a exercitar as virtudes intelectuais. Isso acontece quando uma avaliação revisada volta a ser a primeira avaliação em um momento posterior.

Pensata que criei e que têm a ver com o tema:

"Há quem goste de ostentar riquezas; eu prefiro ostentar virtudes. É até menos arriscado, pois ninguém pode roubar suas virtudes."

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