O que é ter força de vontade?
A evolução, ao longo de milhões de anos, foi “ensinando” aos animais – e, por tabela, a nós também – que uma série de objetivos são bons, como: identificar padrões em algo novo (se é um padrão “alimento” ou se é um padrão “predador”), conquistar status no grupo, escapar de uma ameaça, entre outros.
Isso ocorre porque alcançar objetivos como esses aumentava as chances de sobrevivência. Isso implica que estão bem estabelecidos em nossa mente uma série de interesses ou desejos que compartilhamos com outros animais, os quais podemos chamar de desejos ancestrais.
Por sinal, as emoções foram selecionadas, a meu ver, justamente por aumentarem as chances de realizá-los, como é o caso do medo, que funciona bem no sentido de nos impulsionar a escapar de uma ameaça, seja ela um “predador” ou o risco de roubarem nosso alimento.
Mas exercer a vontade não tem nada a ver com dar vazão, cegamente, a desejos ancestrais ou seguir, cegamente, a linha de ação de uma emoção. Assim, a vontade precisa ser um outro tipo de desejo, que só um animal capaz de, por um breve momento, pairar sobre as emoções é capaz de sentir: o animal humano.
Como expliquei no post “O que é ser racional?”, só o ser humano tem consciência de agência, isto é, de que seu comportamento gera consequências; e só o ser humano tem capacidade de adentrar no mundo das explicações para formar sua visão de mundo.
Com essas duas características, só o ser humano é capaz de sentir um desejo abstrato, por se comportar na direção que acredita ser a certa, ainda que essa direção seja oposta àquela que primeiro se estabeleceu em sua mente, para onde uma emoção o impulsionou. A meu ver, esse desejo abstrato, que reflete o que a pessoa acredita ser o certo para o momento, é justamente a vontade.
Assim, podemos definir a vontade como sendo um desejo racional. Contudo, se ela é um desejo, ela precisa ter o poder de nos mover, correto? Uma razão pura, sozinha, não nos tira da inércia, como disse Aristóteles. Isso implica que, quando nos damos conta de que um objetivo é o melhor para o momento, devemos sentir uma emoção em medida suficiente para nos impulsionar à realização dele.
Assim, o desejo racional – a vontade – deve nos levar a sentir uma emoção impulsionadora, ainda que em uma intensidade inferior à de outra emoção que podemos ter acabado de sentir, ou que podemos estar sentindo intermitentemente (intercalada pela emoção que vem da vontade).
Vamos a um exemplo para esclarecer as coisas. Teve uma vez em que eu estava deitado no sofá, depois de um dia exaustivo, olhando coisas aleatórias no celular para relaxar. Estava sentindo a emoção da curiosidade, que me impulsionava a continuar olhando coisas aleatórias. Mas aí me lembrei de que havia esquecido de salvar um arquivo no computador, e então fiquei com medo de perdê-lo.
Quando me lembrei disso, minha razão me mandou levantar do sofá e salvar o arquivo. Isso porque ponderei, ainda que rapidamente, que o mal de perder o arquivo excedia o bem de ficar me divertindo naquele momento. Com isso, meu desejo foi impulsionado pelo medo, que se referia a um desejo racional: a vontade. Um desejo que antecipou um mal que meu saber avisou que tinha boas chances de acontecer, e, assim, me sugeriu evitá-lo.
Mas, ao olhar de novo para o celular, o desejo por ver novidades aleatórias veio à tona novamente, impulsionado pela curiosidade. Vivi, então, um conflito entre minha vontade e o desejo ancestral de ficar identificando padrões em coisas que via como novidade. Algo bem prazeroso, por sinal, e nada de errado com isso, mas que não refletia o que eu achava ser o certo a se fazer naquele momento.
Analisando as coisas com esse grau de profundidade, vemos que, no conflito entre razão e emoção, na verdade, existe um conflito entre dois desejos impulsionados por duas emoções distintas: um com base em nosso saber que temos no momento, e outro não. Assim, podemos compreender que ter força de vontade significa dar vazão ao desejo racional, ao invés de seguir outro que não se baseia no melhor do nosso saber.
Com base nesta noção, podemos compreender que agir racionalmente em uma situação de conflito emocional significa, justamente, fazer valer nossa vontade, ou seja, dar vazão ao desejo racional, ao invés de seguir um que não se baseia no que acreditamos ser o certo.
Mas, como tambén expliquei no post “O que é ser racional?”, nem sempre haverá conflito de desejos e emoções. De modo que, se a emoção que estamos sentindo nos soa adequada para o contexto, a gente só precisa dar o aceite consciente nela, o que significa verificar se é da nossa vontade mesmo ir atrás do objetivo para onde essa emoção aponta, pelo fato de entendermos que realizá-lo vai gerar boas consequências. Mas, nesse caso, de harmonia entre o que a gente quer e sabe ser o certo, não precisamos exercer a força de vontade no agir; basta deixar a vontade fluir.
Pensatas que criei e que têm a ver com o tema:
"Nos altos e baixos da vida, cada vez que desço até o inferno eu volto mais infernal."
"Às vezes, comemos o pão que o diabo amassou porque, embora amargo, ele é nutritivo e nos fortalece para os desafios que precisamos enfrentar em nossa jornada de vida."
"Tem momentos da vida que a única coisa que a gente pode fazer é ser forte."
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