Por que as pessoas pensam tão "preto no branco"?
A realidade não é puro caos; nela existem padrões de organização que não dependem da experiência subjetiva para existirem, como uma árvore, por exemplo. E que, quanto melhor um indivíduo for em identificar padrões, em especial padrões relacionados a alimentos e predadores, maiores serão as chances de ele sair vitorioso da luta pela sobrevivência, justamente por ele conseguir ser mais rápido que os demais em conseguir alimento e fugir de predadores.
Isso implica que podemos conceber a evolução das estruturas e processos cognitivos como uma competição por conhecimento razoavelmente confiável a respeito de padrões, em especial em relação ao que é benéfico e maléfico. Informação é poder, como dizem, mas, em termos fundamentais, é poder sobreviver.
Acontece que energia é um recurso escasso. E identificar novos padrões do ambiente é algo que demanda esforço, demanda energia cognitiva. Assim, alguma solução teria que surgir de modo a proporcionar o máximo de identificação de padrões com o mínimo de gasto cognitivo. O que surgiu foi a prática do pensamento categórico.
Essa prática mostrou-se tão vantajosa que acabou sendo selecionada para se tornar a estratégia padrão, adotada por todos os seres vivos capazes de percepção, para obter conhecimento sobre a realidade, até mesmo insetos e peixes. Portanto, é justo dizer que conhecer a realidade é o mesmo que categorizá-la.
A primeira etapa do ato de pensar categoricamente consiste em perceber padrões ao longo do tempo e elaborar uma categoria que represente aquele padrão. Essa é a etapa mais cognitivamente custosa. A segunda etapa consiste em encaixar algo que estamos percebendo no aqui e agora dentro das categorias disponíveis.
É o que acontece, por exemplo, quando depois de termos visto alguns animais com juba, elaborarmos a categoria leão, e ao vermos um animal com juba na nossa frente, pensarmos “esse animal é um leão”. Talvez não com essa tranquilidade toda se também o categorizamos como algo ruim, um animal perigoso.
Contudo, isso não significa que estamos condenados a ver tudo “preto no branco”. É possível ver o mundo em categorias de cinza. Com isso, quero dizer que é possível considerarmos mais variáveis na hora de avaliar algo ou alguém, e, com isso, realizar uma categorização mais precisa.
Somos capazes, por exemplo, de enxergar em uma pessoa fraquezas e forças, vícios e virtudes, ao invés de só enxergar coisas negativas nela. Assim, ao invés de simplesmente enxergarmos a pessoa como ruim, podemos até mudar a forma como a enxergamos, como no caso de percebermos que ela tem um pouco mais de virtudes do que vícios.
A ideia de preto no branco representa, então, conclusões simplistas e, com isso, muitas vezes errôneas a respeito da coisa. Mas deve ter ficado claro que ver o mundo em escalas de cinza não significa não classificar uma coisa em uma categoria. No exemplo que falei, se vemos a pessoa com um pouco mais de virtudes do que vícios, é justo classificá-la como uma pessoa minimamente boa.
Mas se todos temos a capacidade de ver em escalas de cinza, por que muitas pessoas continuam, em geral, a pensar tão “preto no branco”? A resposta óbvia é que possuir uma capacidade não significa utilizá-la com frequência. Mas por que, então, muitas pessoas não a utilizam? Eu diria que por dois motivos.
Primeiro, pelo fato de muitas pessoas não vigiarem a tendência ancestral que todos nós temos de ter apego às nossas crenças, de modo a se manterem abertas a novas informações, em especial as que contradizem suas crenças, como, por exemplo, ver virtudes em alguém que elas já classificam como uma pessoa ruim.
Essa dificuldade representa o conhecido viés de confirmação, que se trata basicamente de uma estratégia para proteger sua crença de ameaças que podem fazê-la desaparecer, como evidências que mostram que a crença pode estar equivocada.
O outro motivo, que, inclusive, explica o primeiro, é que as pessoas não vigiam a tendência de apego às crenças pelo fato de ainda não verem vantagem nisso. A grande vantagem de ver o mundo em escala de cinzas é poder categorizar as coisas da realidade mais próximo do que elas realmente são, o que torna mais bem-sucedida nossa interação com o meio.
Contudo, para experimentar essa vantagem, as pessoas precisam se arriscar ao longo do tempo de modo a deixar suas crenças irem embora, na expectativa de que as próximas vão refletir melhor a realidade. Só assim, as pessoas perceberão as consequências boas que vêm com isso, que vêm de fazer escolhas com base em uma visão de mundo mais acurada.
E, quando perceberem isso, elas provavelmente vão querer evitar o apego a crenças, de modo a tentar descobrir tonalidades de cinza que ainda não estavam enxergando.
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