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Mostrando postagens de março, 2025

Por que as pessoas sentem arrependimento?

A natureza nos deu a capacidade de sentir um prazer bem especial: a felicidade. Só nós, humanos, conseguimos sentir esse tipo de prazer. Mas, como nem tudo são flores, a natureza também nos brindou com a capacidade de sentir uma dor: um tipo de tristeza que só os seres humanos conseguem sentir: o arrependimento. Mas não vamos condenar essa dor logo de cara, vamos primeiro entendê-la. No post “O que é a felicidade?”, eu expliquei que felicidade é um tipo de alegria que sentimos quando vemos que, por meio de escolhas pensadas, somos responsáveis pela produção de um resultado que consideramos bom.  Em outras palavras, quando sentimos orgulho do resultado de nossas escolhas. Felicidade, então, é um tipo de alegria que só nós sentimos, pelo fato de só nós termos a consciência de que somos agentes no mundo, que nossas ações, em si, são causas de resultados. Contudo, esse nível de consciência permite que sintamos também um tipo de tristeza, relacionada a percebermos que, com escolhas ruin...

O que é a felicidade?

Aristóteles oferece valiosas reflexões sobre a felicidade, e para compreendê-la melhor, podemos ampliar suas ideias incorporando conceitos da Psicologia Evolucionária. Ele argumenta que, entre todos os animais, apenas os seres humanos são capazes de experimentar a felicidade, e que ela é o objetivo final de nossas vidas. Para Aristóteles, alcançar a felicidade exige o uso da razão, sendo ela, portanto, um tipo de prazer mais elevado. Mas qual tipo de prazer só os seres humanos podem sentir? Certamente, é um prazer que depende da nossa consciência de sermos agentes no mundo, ou seja, da percepção de que nossas ações causam efeitos. Com isso, descartamos os prazeres ligados ao sexo, à comida e à bebida, que Aristóteles classifica como prazeres do contato. Esses prazeres, que envolvem a interação física com o mundo, são compartilhados por outros animais. Também descartamos o prazer da satisfação mais simples, que surge quando atingimos um objetivo, seja pegar uma fruta da árvore ou conq...

Por que as pessoas entram em depressão?

Eu entendo que uma melhor compreensão das patologias que afligem a humanidade pode ser alcançada se, primeiro, olharmos para elas em sua forma rudimentar, ou seja, como se manifestam em outros animais, para, só depois, observarmos como se amplificam em nós devido às especificidades da nossa natureza. Como mencionei no post “O que são as emoções?”, a avaliação de que houve fracasso em alcançar um objetivo gera tristeza, uma emoção cuja função seria incentivar o emprego de outros meios no futuro. Ocorre que, quando um animal se encontra diante de uma ameaça que considera impossível de ser eliminada e tenta, sem sucesso, alcançar o objetivo de escapar dela com o uso repetido de uma ou mais formas de fuga, ele pode simplesmente desistir de tentar, compreendendo que está “aprisionado”.  Na prática, isso significa aceitar que não há mais o que fazer, ou seja, que o fracasso está consumado, o que leva o animal a viver cronicamente a tristeza. Isso, a meu ver, seria a forma rudimentar do...

O que é ser racional?

A gente se define como seres racionais pelo fato de percebermos que conseguimos agir de uma maneira que os outros animais não conseguem. Assim, um bom caminho para entendermos o que é ser racional é olharmos para o que temos em comum com os outros animais e o que só nós somos capazes de fazer. De fato, temos muitas coisas em comum com os outros animais. Assim como eles, fazemos uso do pensamento categórico para conhecer e interagir com a realidade. Isso implica que, assim como eles, sentimos emoções, que, como falei no post “O que são as emoções?”, se referem a avaliações — isto é, à categorização de que devemos buscar um objetivo em determinado momento, como o objetivo de "eliminar uma ameaça", o que nos faz sentir raiva; e categorizações de que o objetivo foi ou não alcançado, o que, caso percebamos que conseguimos eliminar a ameaça, nos leva a sentir alegria. Realizar avaliações desses tipos significa praticar o pensamento categórico, ou seja, raciocinar em alguma medida...

O que são as emoções?

As emoções estão sempre presentes no nosso dia a dia e são facilmente percebidas. É quase impossível não notar uma emoção quando ela surge, mas compreendê-la pode ser um pouco mais difícil. De maneira geral, vejo as emoções como reações psicofisiológicas que surgem a partir das avaliações que fazemos das situações ao nosso redor. Por exemplo, se avaliamos algo como uma ameaça, como ocorre em momentos de raiva, sentimos essa emoção. No entanto, essa é uma compreensão superficial das emoções. Ao analisá-las mais profundamente, podemos perceber que elas surgem de uma avaliação mais complexa: avaliamos se precisamos buscar um objetivo ou se tivemos sucesso ou fracasso em alcançá-lo. Podemos, então, dividir as emoções em duas categorias principais: emoções de trajetória e emoções de resultado . Emoções de trajetória são reações psicofisiológicas que surgem quando avaliamos que um objetivo deve ser alcançado. Por exemplo, o medo surge quando avaliamos que precisamos buscar o objetivo ...

Por que as pessoas fofocam?

Para compreender a essência do porquê as pessoas fofocam, precisamos olhar para isso em sua forma rudimentar, sua raiz evolutiva. Podemos perceber duas situações de “fofoca” no mundo animal. A primeira é quando se comunica um perigo, algo que os suricatos fazem muito bem. Estando atentos a predadores, eles emitem um sinal de alarme quando um surge no horizonte, o que aumenta as chances do grupo como um todo conseguir evitar aquele predador. A segunda situação é a comunicação de um benefício. Nesse caso, é impressionante a “fofoca” das abelhas. Elas são capazes de fornecer a localização de recursos essenciais, como néctar e água, usando uma espécie de dança chamada "waggle dance" (ou dança balançante). É muito interessante de ver. Meu argumento, então, é de que a fofoca humana é uma forma mais elaborada de algo que já observamos no mundo animal, e que ela existe para orientar o outro em direção à aquisição de um benefício ou à evitação de uma ameaça. Assim, quando se fala q...

Por que as pessoas sentem a dor do luto?

Epicteto escreveu que, ao beijar seu filho ou sua esposa, devemos pensar que estamos beijando qualquer outra pessoa, para que, se perdê-los, não fiquemos tão perturbados. A frase reflete a meta dos estoicos mais ortodoxos, mas que considero difícil de alcançar para seres humanos: nunca sofrer por algo que não depende de nós. O sábio, segundo os estoicos, não sofre com as adversidades trazidas pelo destino; aceita de bom grado tudo aquilo que não pode controlar. É o caso da morte de pessoas queridas ou do término de um relacionamento. Não temos como controlar esses eventos, então, de acordo com os estoicos tradicionais, tais acontecimentos não deveriam nos causar sofrimento. Acho essa meta inspiradora, mas preciso discordar dela. Felizmente, não preciso enfrentar essa empreitada sozinho. Conto com a ajuda de outro estoico, mas de uma vertente mais pragmática. Com a palavra, Lúcio Aneu Sêneca: “Nenhuma sabedoria, de fato, nos poderá libertar de certas fraquezas naturais: tendências inata...

Por que as pessoas querem se manter em sua zona de conforto?

Para responder a essa pergunta, podemos tomar como ponto de partida um estudo de Wood-Gush, Jensen e Algers, publicado em 1989. Neste estudo, os pesquisadores buscaram analisar o comportamento de um pequeno grupo de porcos domésticos que foram soltos em uma área de floresta. Durante o experimento, os pesquisadores notaram que, nos primeiros dias, os porcos se espalharam amplamente por diferentes seções da área, mas, após algum tempo, restringiram sua movimentação a regiões específicas, que continham recursos necessários para a sobrevivência. Ou seja, a partir de um determinado momento, os porcos passaram a se restringir à sua zona de conforto. Meu argumento, então, é que, quando impulsivamente evitamos explorar o mundo e nos mantemos na zona de conforto, estamos, no fundo, tentando nos manter próximos de coisas que acreditamos serem essenciais para a nossa sobrevivência. Note que usei a palavra "impulsivamente". Ou seja, o problema de se manter na zona de conforto é recusar o...

Por que não é verdade que quem liga para a beleza é fútil?

Sou adepto do método socrático de evidenciar o significado das ideias, pois isso evita que as pessoas discordem de algo com o qual, na verdade, já concordam — ou até mesmo que defendam o oposto. O que é ser fútil? No dicionário, fútil é quem dá muita importância a coisas superficiais. Podemos aprofundar essa definição: eu diria que fútil é quem tem uma hierarquia de valores "descalibrada", colocando no topo coisas que deveriam estar em um nível mais baixo. Dessa forma, uma pessoa fútil tende a valorizar coisas como dinheiro e, sim, beleza física, acima de virtudes mais importantes, como a coragem, por exemplo. Isso não quer dizer que ela não valorize essas virtudes; pode ser que apenas coloque a beleza física em uma posição mais alta na sua hierarquia de valores. O senso comum sobre esse tema possui um problema: ele não diz "quem liga para a beleza física acima de tudo é fútil", mas simplesmente "quem liga para a beleza física é fútil". E é aí que preciso ...

Por que as pessoas ligam para a beleza?

 Para Platão e para os gregos em geral, o belo e o bom eram inseparáveis. Essa associação realmente faz sentido em muitos casos. Uma bela espada tende a ser uma boa espada; um belo corpo tende a ser um corpo saudável.  No entanto, sabemos que essa correlação não é perfeita. Uma bela espada pode ter uma lâmina gasta, e um belo corpo pode esconder uma doença. Ainda assim, o belo é frequentemente um indicativo de qualidade, uma aproximação de que algo é bom, mesmo que não seja uma correlação infalível. Parto do pressuposto de que as pessoas ligam para a beleza, pois, em geral, o belo está associado ao bom, e essa associação está bem estabelecida em suas mentes. Isso faz todo sentido evolutivo, pois o belo é, em essência, a união harmônica de várias partes em um todo organizado.  Essa harmonia era relevante para nossos ancestrais, que percebiam como bela uma estrutura segura, como um abrigo estável, ou um potencial parceiro com porte atlético, que provavelmente estaria em me...

Por que as pessoas pensam tão "preto no branco"?

A realidade não é puro caos; nela existem padrões de organização que não dependem da experiência subjetiva para existirem, como uma árvore, por exemplo. E que, quanto melhor um indivíduo for em identificar padrões, em especial padrões relacionados a alimentos e predadores, maiores serão as chances de ele sair vitorioso da luta pela sobrevivência, justamente por ele conseguir ser mais rápido que os demais em conseguir alimento e fugir de predadores. Isso implica que podemos conceber a evolução das estruturas e processos cognitivos como uma competição por conhecimento razoavelmente confiável a respeito de padrões, em especial em relação ao que é benéfico e maléfico. Informação é poder, como dizem, mas, em termos fundamentais, é poder sobreviver. Acontece que energia é um recurso escasso. E identificar novos padrões do ambiente é algo que demanda esforço, demanda energia cognitiva. Assim, alguma solução teria que surgir de modo a proporcionar o máximo de identificação de padrões com o m...

Por que as pessoas são preconceituosas?

A realidade é repleta de coisas benéficas e maléficas para os seres vivos, como, por exemplo, alimentos que podemos ou não consumir, ou animais que podem ou não ser perigosos. Assim, a luta pela sobrevivência esconde uma outra: a luta para conseguir separar na realidade o que é bom do que é ruim. E quanto melhor o ser vivo for capaz de fazer isso, maiores são as chances de sobreviver. A solução que surgiu com a evolução para proporcionar o máximo de conhecimento sobre o que é bom e ruim com o mínimo de esforço foi o pensamento categórico. Pensar categoricamente significa aprender sobre a realidade vendo semelhanças entre as coisas para, então, agrupá-las em categorias. É, por exemplo, ao vermos diversos animais com juba, chegarmos à conclusão de que esse animal pertence a uma mesma categoria, que nos ensinam ser a categoria com o nome “leão”. Além disso, a partir da nossa experiência e do que nos contam, uma categoria aprendida pode se tornar subordinada a outra, mais básica, a de se...

Por que fazer sentido não é suficiente para algo ser verdade?

O mundo está em fluxo, mas não puro fluxo. Não é verdade que nada no homem se preserva quando ele desce o rio pela segunda vez, assim como não é verdade que tudo nele é permanente. Muitas coisas do Flávio de hoje vão se manter no Flávio de amanhã, mas também haverá coisas do Flávio de hoje que deixarão de existir. Algumas das coisas que tendem a permanecer estáveis são os sistemas, os conjuntos de partes que de alguma maneira se organizam em um todo, e as leis que possibilitam essa organização. Se nada drástico acontecer, o Sol vai continuar na distância da Terra que propicia a existência de vida, algo que é possibilitado pela força de atração entre os corpos, a lei da gravidade, que por sua vez, permanece. Isso implica que a realidade não é puro caos; existem nela padrões de organização. No plano material, esses padrões são passíveis de serem identificados a partir da interpretação do que é percebido. Com isso, é possível identificar a presença dos padrões 'alimento' e ...

Por que não é verdade que cada um tem sua verdade?

Eu compreendo que cada um pode dar o sentido que quiser às coisas, mas isso não invalida a existência de uma realidade objetiva, a qual pune crenças falsas. Uma pessoa pode se jogar do topo de uma montanha imaginando e acreditando que vai voar. Mas a realidade vai respeitar essa crença, ou, por ser falsa, vai punir a pessoa fazendo-a cair? Sendo assim, embora cada um possa ter uma perspectiva de algo, eu não chamaria sempre essa perspectiva de verdade, pois ela pode ser uma perspectiva falsa. Sei que existem casos em que cada um captura uma parte da realidade, e aí sim podemos dizer que cada um tem sua verdade, que, embora não sejam coincidentes sobre algo, complementarmente proporcionam um entendimento maior sobre esse algo. Mas isso vale para alguns casos; em tantos outros, existe sim um lado certo e um errado, ou até mesmo todos os lados errados. Sendo assim, defendo que é um erro afirmar que cada um tem sua verdade, considerando que essa afirmação vale para qualquer caso, pois,...

Por que as pessoas querem impor aos outros o que devem fazer?

É o normal de muitas pessoas quererem que o outro aja como elas mesmas agiriam, mas se o certo e errado fosse fácil, não precisaria existir todo o estudo da ética. A grosso modo, existem dois tipos de ética: a ética que entende que devemos seguir regras externas, como mandamentos divinos ou a moral do senso comum, por exemplo; e a ética que entende que devemos seguir regras internas, ou seja, praticar, em especial, as virtudes da sabedoria e do discernimento de modo a seguir nossa própria consciência para decidir o que fazer em cada situação, o que envolve pesarmos as prováveis consequências dos nossos atos antes de escolher o caminho a seguir. Intuitivamente, as pessoas são mais adeptas de uma dessas duas posições: seguir regras externas ou seguir regras internas; e as que são mais adeptas do seguir regras externas acabam sendo as que mais impõem suas regras ao outro, mesmo sem estarem conscientes disso. Estamos aqui tratando das pessoas que têm boas intenções, pois também existem ...

Por que as pessoas culpam as outras pelos seus próprios erros?

Uma resposta muito comum para essa pergunta é: “porque assumir a culpa dói e queremos proteger nosso ego dessa dor”. Contudo, essa é uma explicação muito superficial. Afinal, a dor emocional existe por algum motivo: a antecipação de um mal, que, no caso de ser visto como culpado de algo ruim, é o mal da perda de reputação. Mas esse ainda é um mal superficial, pois não tememos a perda de reputação em si, mas sim o que ela pode acarretar: a perda de status e do grupo (e tudo de ruim que acompanha essas perdas). Perder status é ruim, pois deixamos de receber ajuda diferenciada dos outros para lidar com os desafios do mundo. Pior ainda é quando somos expulsos do grupo, pois aí não podemos contar mais com ajuda de ninguém; e, como não somos bons em, sozinhos, conseguir alimento de boa qualidade e nos proteger de predadores, ser expulso do grupo no passado ancestral era como receber uma sentença de morte. E é realmente possível que percamos status e sejamos expulsos de um grupo se os outr...