Postagens

Mostrando postagens de 2025

O que é um bom ser humano?

Então... se não formos muito exigentes, podemos dizer que um bom ser humano é aquele que tem mais vícios do que virtudes — mesmo que seja só um pouco a mais — e, com isso, se comporta racionalmente em pelo menos 51% das vezes; nas outras 49%, age seguindo cegamente alguma inclinação ancestral, ou se mostra desatento, e assim pratica algum vício. Mas, cá para nós, esse é um ser humano "bonzinho", não exatamente um bom ser humano. Assim, entendo que um bom ser humano deve, para começar, apresentar um percentual bem mais alto do que esse — talvez se comportar racionalmente em 90% das vezes (especialmente em situações cruciais), ou seja, ser estavelmente racional. No entanto, ser estavelmente racional, a meu ver, ainda não é condição suficiente para vermos a pessoa como um bom ser humano. Isso porque agir racionalmente é agir com base no que se sabe até o momento. E, se a pessoa não sabe quase nada (o que inclui possuir um “saber” que não reflete razoavelmente bem a realidade), ...

O que é o autocontrole?

O autocontrole é uma faculdade que permite a ponderação a partir da chegada de uma nova informação, seja ela proveniente do mundo das percepções, das teorias, ou de ambos. Assim, trata-se de uma faculdade que não apenas nós, humanos, possuímos, mas também outros animais. Por exemplo, se um chimpanzé macho “necessitado” vê uma fêmea no cio, essa percepção pode levá-lo a inclinar-se para tentar copular. No entanto, se logo em seguida ele percebe a presença do macho alfa “ciumento” ao lado dela, essa nova informação tende a levá-lo a evitar o risco de sofrer uma agressão. Com isso, ele exercita, em alguma medida, o autocontrole, ponderando qual comportamento é mais vantajoso naquela situação. No caso dos humanos, também enfrentamos conflitos e exercitamos o autocontrole diante da chegada de novas informações perceptivas. Entretanto, uma informação resgatada da nossa visão de mundo também pode ser suficiente para nos levar à ponderação. Por exemplo: podemos perceber uma mulher atraente “d...

O que é a virtude da tristeza consciente?

A virtude da tristeza consciente se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso avaliar se tive mesmo fracasso na presença ou ausência de tristeza” . Assim como no caso da alegria consciente, essa prática ajuda a corrigir avaliações excessivamente otimistas ou pessimistas, de acordo com o saber e a experiência da pessoa. A tristeza, quando bem compreendida, cumpre um papel importante: o de incentivar o abandono de estratégias ineficazes que vêm sendo adotadas. No post “O que é a virtude da alegria consciente” , citei o exemplo do músico que percebe que não está alcançando o sucesso desejado ao tocar músicas covers. Embora receba aplausos e sinta alegria por isso, ao ter um momento de insight — a “ficha cair” — ele deixa de sentir alegria e entra num estado de neutralidade emocional. Entretanto, se ele estivesse praticando a virtude da tristeza consciente , talvez tivesse sentido tristeza em vez de neutralidade. Essa tristeza, por sua vez, poderia funcionar como um...

Por que Sócrates agiu eticamente ao aceitar a morte mesmo sabendo que foi condenado injustamente?

Sócrates, um dos maiores nomes da filosofia ocidental, foi levado a julgamento em Atenas no ano de 399 a.C., acusado de três crimes considerados graves para a sociedade da época: corromper a juventude, não reconhecer os deuses da cidade e introduzir novas divindades, especialmente ao falar de um daimon — uma espécie de voz interior que o guiava. Diante do tribunal, Sócrates não tentou se esquivar das acusações com bajulações ou artifícios retóricos. Pelo contrário, fez uma defesa firme e coerente, registrada por seu discípulo Platão na obra Apologia de Sócrates . Afirmou que sua vida sempre foi dedicada à busca da verdade e da virtude. Não se via como um mestre, mas como alguém que fazia perguntas para despertar a reflexão nas pessoas, desafiando crenças automáticas e ilusões de sabedoria. Sócrates destacou que nunca obrigou ninguém a segui-lo, nem impôs suas ideias — seu papel era provocar o pensamento crítico. E mais: afirmou estar cumprindo uma missão filosófica que, segundo ele, l...

O que é a virtude da alegria consciente?

A virtude da alegria consciente refere-se à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso avaliar se tive mesmo sucesso, considerando a presença ou ausência de alegria”. A prática de uma autorregra desse tipo ajuda a corrigir avaliações irracionalmente otimistas ou neutras. Assim, alguém que está desenvolvendo a virtude da alegria consciente consegue, por exemplo, desistir de seguir um caminho — ou seja, de continuar utilizando as mesmas estratégias — por ser capaz de corrigir avaliações equivocadas, como a crença de que está alcançando conquistas quando, na verdade, não está. É o caso, por exemplo, de um músico que, com base em seu conhecimento, desiste de continuar tocando músicas cover ao perceber que, embora receba aplausos em seus shows, não está alcançando o patamar de sucesso que almeja. Ele decide, então, adotar uma nova estratégia: passar a tocar músicas de sua própria autoria. Nesse cenário, o músico poderia estar se iludindo com base no melhor de seu saber sobre es...

O que é a virtude da curiosidade útil?

Curiosidade útil se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso escolher o melhor fim, esteja ou não sentindo curiosidade”. A prática dessa autorregra pode levar ao assentimento rápido de que um fim “fixado” , relacionado à investigação de algo, é de fato o melhor a ser buscado no momento. Nesse caso, não haveria necessidade de revisar o fim estabelecido, uma vez que ele passou pelo crivo de uma avaliação das consequências com base em teorias. Um exemplo disso é a decisão de uma pessoa de ler um livro relacionado ao seu campo de atuação ou, até mesmo, de ler conteúdos banais por considerar útil relaxar naquele momento, a fim de recuperar as energias. Contudo, nesse último caso, ao atingir um estado de relaxamento, a pessoa pode — ainda com base no tipo de princípio que estamos propondo — avaliar que continuar investigando coisas banais já não faz mais sentido. Nesse momento, seria racional deixar a curiosidade de lado e parar de investigar essas coisas, ao perceber...

O que é a virtude do amor?

A virtude do amor se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso buscar o melhor fim na presença ou ausência da compaixão”.Lembrando (como mencionei no post "O que são as emoções") qie a compaixão surge da avaliação de que algo — ou alguém — é um aliado (ou um aliado em potencial) em meio a uma dificuldade, o que gera, em nossa mente, o estabelecimento do fim de promover o seu bem. Em muitos contextos, podemos entender que esse é, de fato, o melhor fim a se buscar — como quando vemos um amigo em dificuldade financeira e, com base no melhor do nosso saber, julgamos que o mais correto é ajudá-lo a pagar as contas.Nesse caso, há uma validação consciente tanto da compaixão já vivenciada quanto do objetivo a ser realizado, e é justamente aí que ocorre a prática da virtude do amor . A virtude do amor também se manifesta quando saímos de um estado de neutralidade — talvez fruto da falta de atenção ao fato de que estamos diante de alguém que sabemos precisar de ...

O que é a virtude da moderação?

Moderação se refere à habilidade de praticar uma autorrregra do tipo: “preciso buscar o melhor fim, esteja ou não presente o anseio”. É possível haver apenas a anuência consciente de que o melhor fim é aquele para o qual o anseio aponta — como no caso, por exemplo, de querermos mostrar nossas “credenciais” (busca pelo benefício do status), tendo a consciência de que desejamos isso por alguma razão; talvez para que o outro valorize um pouco mais aquilo que temos a dizer. A prática da moderação também ocorre quando, por um momento de desatenção, nos vemos neutros diante de uma oportunidade de conquistar um benefício e, ao pararmos para refletir, avaliamos que vale mesmo a pena buscá-lo — o que nos tira do estado de neutralidade emocional e nos leva a vivenciar o anseio. Um exemplo desse “sair da neutralidade” para desejar um benefício é quando, por um instante, deixamos passar que determinada situação pode nos levar ao desenvolvimento de uma virtude moral , como a coragem; mas, ao p...

O que é a virtude da brandura?

Brandura se refere à habilidade de seguir uma autorregra do tipo: “preciso buscar o melhor fim, esteja eu sentindo raiva ou não” . Em alguns casos, pode-se reconhecer conscientemente que o melhor fim é, de fato, eliminar a ameaça. Isso faz com que a raiva continue a fazer sentido — e, nesse contexto, agir motivado por ela torna-se uma escolha deliberada, embasando um ato de brandura. Um exemplo seria o de uma pessoa que faz brincadeiras constantes durante uma reunião, atrapalhando o andamento do trabalho. Ao perceber que essa conduta prejudica o grupo, decidimos intervir, chamando sua atenção. Essa intervenção, ainda que envolva firmeza, é guiada por uma escolha racional de dar vazão à raiva quando ela é adequada ao contexto — e, portanto, é um ato de brandura. A brandura também se manifesta quando estamos emocionalmente neutros, mas reconhecemos que a raiva seria, naquele momento, a emoção mais adequada. Por exemplo: podemos, por desatenção, não sentir raiva ao ver alguém praticando a...

Por que considerar a variável "tempo" é fundamental para a tomada de boas decisões?

Ser racional envolve supervisionar a linha de ação que estamos prestes a seguir e tomar uma decisão consciente de aceitá-la ou revisá-la, com base em uma ponderação das consequências que dependem de nossa rede de teorias; ou, ainda, fazer o mesmo no que diz respeito a revisar ou aceitar a inação. Bom, sabemos que as consequências são coisas que estão no futuro, que pode ser um futuro daqui a um segundo, um minuto, dez anos... E, ainda, que tais consequências podem perdurar por um segundo, um minuto, dez anos, enfim.  O tempo, então, é uma variável que levamos em consideração quando fazemos escolhas com base no que, no fundo, acreditamos ser o certo; de modo que desconsiderar tal variável significa abrir mão de agir racionalmente, uma vez que implica deixar de olhar para onde estão as consequências, que é no futuro (e deixar de, por meio de uma análise, ainda que rápida, trazê-las descontadas no tempo para o valor delas no presente, como se diz em finanças; de modo a, assim, consegu...

Por que nosso bem depende, em boa medida, do bem dos outros, e vice-versa?

O interesse pela promoção do bem do outro se estabeleceu pelo fato de, em última instância, proporcionar o próprio bem. O ato de ajudar o outro faz com que esse outro adquira uma maior disposição de retribuir a ajuda no futuro e, em paralelo, aumenta as chances de que esse outro sobreviva para que possa, de fato, retribuir a ajuda.  Contudo, o ato de ajudar o outro, muitas vezes, representa um risco à nossa própria segurança, especialmente quando estamos no limiar entre a vida e a morte, como era o caso dos nossos ancestrais. Isso implica que, ao entrar em relações de reciprocidade, cada um busca e, ao mesmo tempo, compromete sua própria segurança em prol da segurança dos outros. Vale notar que, em espécies que dependem de cooperação para a sobrevivência, como é o caso da espécie humana, a busca pelo próprio bem, por tabela, influencia o bem dos outros, pois isso faz com que o indivíduo se mantenha apto a ajudar os outros.  Por outro lado, se esse indivíduo, por algum motivo (...

O que é a virtude da coragem?

A virtude da coragem pode ser entendida como a prática de seguir uma regra interna, algo como: “Preciso escolher o melhor objetivo, esteja ou não sentindo medo.”  Em algumas situações, ao refletir, percebemos rapidamente que o melhor a fazer é escapar de uma ameaça, especialmente quando acreditamos que ela não pode ser eliminada. Essa decisão é baseada numa avaliação consciente das consequências, com base em nossos conhecimentos e experiências. Por exemplo, imagine que você está conversando com alguém que demonstra que de que pode te  agredir físicamente. Diante disso, você escolhe permanecer em silêncio como forma de evitar essa possível agressão. Embora essa atitude envolva uma forma de fuga, ela não representa covardia. Ao contrário, trata-se de uma escolha consciente voltada para a autopreservação, o que é, por si só, um ato de coragem. A coragem também se manifesta quando, inicialmente, não sentimos medo, mas ao refletirmos sobre a situação, percebemos que deveríamos sent...

O que são as virtudes?

Assim como as emoções, as virtudes são algo que conseguimos perceber com certa facilidade, mas compreender o que elas realmente são é mais difícil. Felizmente, Aristóteles se dedicou a estudar as virtudes minuciosamente, e seus escritos nos orientam em direção a uma boa compreensão delas.  Ele percebeu que, na raiz do agir racional, existem dois tipos de virtudes: as intelectuais e as morais. As virtudes morais seriam princípios ou regras que, quando colocadas em prática, chamariam a atuação das virtudes intelectuais, permitindo-nos escolher o melhor objetivo para a situação. Aristóteles também notou que, para cada emoção que nos impulsiona em direção a algo, deveria existir uma virtude moral específica, responsável por nos ajudar a escolher o melhor objetivo enquanto estamos sob o impulso de uma emoção.  Por exemplo, no caso do medo, haveria uma virtude moral específica, que chamamos de coragem, que seria uma regra que, se seguida, nos ajudaria a raciocinar sobre qual seria o...

Por que as pessoas sentem culpa?

No post sobre o arrependimento, falei que essa emoção é um tipo de tristeza que só os seres humanos são capazes de sentir, pois ela surge da percepção autoconsciente de que nossas escolhas, por si mesmas, foram causa de um resultado que percebemos como ruim.  Falei também que o arrependimento é uma emoção bem-vinda, desde que sentida na medida certa , pois nos ajuda a tomar consciência de escolhas ruins para que possamos agir melhor em uma próxima oportunidade. Não penso o mesmo em relação à culpa. Se podemos dizer que a natureza nos brindou com a possibilidade de sentir arrependimento, considero a culpa uma emoção desnecessária. O ato de culpar o outro (quando realmente acreditamos que ele é culpado — e não quando sabemos que não é, mas queremos transferir a responsabilidade para ele para nos livrarmos de um problema) significa, essencialmente, tentar puni-lo por não ter correspondido a alguma expectativa de cooperação que tínhamos em relação a ele. Isso, por sua vez, significa q...

Por que é mais científico considerar que existem outras dimensões da realidade?

Metafísica pode ser definida, em um sentido amplo, como o estudo da realidade como um todo . A metafísica aristotélica, por exemplo, defende a existência de um mundo suprassensível no qual há inteligências superiores que dão ordem às coisas; ou seja, a realidade como um todo abrange tanto nossa dimensão material quanto, ao menos, outra dimensão.  Nesse sentido, aqueles que argumentam que existe apenas o nosso mundo material também estão lidando com a metafísica, embora entendam que a realidade como um todo é composta exclusivamente por esse mundo (e que outras dimensões da realidade, mesmo que feitas de matéria, não existem). Podemos chamar essa visão de micro-materialismo , uma vez que é possível conceber a existência de um mundo superior, no qual também haja presença de matéria. Assim, temos duas grandes visões metafísicas da realidade — mas qual delas deve prevalecer? Infelizmente, a ciência, por meio dos estudos publicados, ainda não é capaz de nos ajudar a resolver essa questã...

Por que a ética das virtudes é a única capaz de proporcionar uma vida feliz?

É de se esperar que quem vive na intranquilidade deseje a tranquilidade. Mas também é de se esperar que quem alcança tal objetivo perceba que "colocar as pernas para o ar" não basta; não gera o contentamento que se esperava. Isso não é à toa, pois "colocar as pernas para o ar" não é o que sua natureza busca em última instância. Como nos ensina Aristóteles, todo ser humano deseja, no fim das contas, uma espécie de caminhar; deseja viver uma vida feliz (e não a tranquilidade em si). O sofrimento deste mundo em que vivemos é tanto que um dos maiores objetivos das pessoas é não sofrer, o que faz com que muitas acreditem que felicidade é o não sofrimento, o que não é verdade. Assim, deixam de buscar a felicidade em si. E, então, colocando a tranquilidade como objetivo maior, vivem a vida ou tentando fugir de problemas (praticando a ética Epicurista), ou tentando encará-los sem desespero (praticando a ética Estóica). Poucas são as pessoas que não deixam a dor desviá-las d...

Por que limitar a liberdade não é necessário para a vida em grupo?

É comum a defesa de que a limitação da liberdade, mais precisamente da liberdade de escolha, é uma condição sine qua non para a convivência em grupo. No entanto, discordo dessa visão. Acredito que é possível viver em grupo e ainda preservar a liberdade de escolha, desde que o agente decisor não seja privado de ter contato com as consequências de suas ações, sejam elas boas ou ruins. Nesse sentido, vejo as consequências como um fator gerador de equilíbrio e harmonia, algo que possibilita a existência de um ecossistema dentro dos grupos humanos, da mesma forma que observamos na natureza. Em um pequeno grupo, como em uma tribo, é fácil identificar e punir um indivíduo que não está disposto a colaborar. A fofoca, por exemplo, cumpre a função de sinalizar quem não é confiável, como mencionei no post "Por que as pessoas fofocam?". Porém, quando os seres humanos passaram a formar grupos grandes e complexos, a identificação e punição daqueles que se recusam a cooperar — incluindo aqu...