Quais são os pontos fortes e fracos do estoicismo?

Em sua obra Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith nos oferece uma boa síntese do pensamento estóico, e então procede com suas considerações a respeito dela. Inspirado por tal atitude, aqui busco fazer o mesmo, mas de acordo com a minha visão sobre o estoicismo. Neste sentido, me valho da síntese elaborada pelo filósofo, lapidando-a em algumas poucas imprecisões (e aprofundando alguns aspectos), para então abordar o que vejo serem pontos fortes e fracos de tal pensamento.

Síntese do pensamento estóico

De acordo com Zenão, fundador do estoicismo, todo ser vivo é naturalmente inclinado à autopreservação e dotado de amor por si mesmo. Isso o leva a buscar manter sua existência e todas as partes da sua natureza na melhor condição possível. No ser humano, esse instinto abrange tanto o corpo quanto a mente, com todas as suas faculdades, e orienta-o a conservar e aperfeiçoar essas partes conforme a razão natural. 

Assim, tudo o que favorece a manutenção dessas partes – como saúde, vigor, agilidade e até condições externas que a promovem, como riqueza, influência e reconhecimento – é naturalmente preferível, embora não seja intrinsecamente bom. Do mesmo modo, tudo o que compromete essa condição – doença, dor, pobreza, desonra – é naturalmente evitável, ainda que não seja um mal em si. Entre essas coisas preferíveis e evitáveis, algumas têm mais valor relativo que outras, e a prática da virtude consiste, essencialmente, em discernir corretamente entre elas para cada situação que se apresenta.  

A conduta virtuosa, portanto, consiste em fazer escolhas racionais: preferir o mais apropriado entre os objetos preferíveis e rejeitar com mais firmeza aquilo que for mais contrário à natureza racional. Agir com essa sabedoria e medida é o que os estóicos chamam de viver de acordo com a nossa natureza (e a natureza do cosmos) – o que significa viver de acordo com a razão, com a ordem do cosmos e com a posição que ocupamos como partes de um todo maior.

Neste sentido, contribuíriamos para o bem do todo quando agimos de acordo com a razão nas coisas que estão sob nosso controle, e confiamos que muito do que nos acontece vem de uma razão ordenadora maior; de modo que, se mesmo depois de nos esforçarmos para sair de uma adversidade ela permanece, devemos nos valer da razão para ver sentido nela, considerando que ela pode ocupar um lugar necessário na ordem do universo (por exemplo, para nos tornar melhores raciocinadores). E, no caso do nosso raciocínio validá-la como uma adversidade que serve a uma ordenação maior, aceitá-la com tranquilidade. Com efeito, por compreender sua condição como parte do todo, o adepto do estoicismo não se queixa nem se revolta, mas age conforme o dever, guiado pela razão que compartilha com o próprio cosmos.

Por outro lado, caso nossa razão não valide uma adversidade servindo à ordem do universo, o estoicismo nos permite rejeitar viver. Podemos tomar tal decisão, pois também somos parte do todo enquanto seres racionais, de modo que somos, então, capazes de escolher bem o que é, ao mesmo tempo, bom para a gente e para o universo. Neste sentido, vale frisar, a decisão de abandonar a vida jamais é impulsiva: exige reflexão, maturidade e fidelidade à razão.

A “felicidade” do estóico está, então, não na posse de bens externos ou na vivência de um tipo de prazer, mas em cumprir seu papel com retidão; de modo que o sucesso ou o fracasso dos seus esforços são indiferentes; o que importa é agir bem. Neste sentido, ele confia ao todo racional o resultado das ações e preocupa-se apenas com a correção de sua conduta.

Ao se habituar à beleza e à ordem da ação racional, o estóico passa a ver na virtude um valor muito superior à obtenção de quaisquer objetos externos e prazeres, ou seja, vê a virtude como um fim em si mesmo (diferentemente dos aristotélicos, que defendem que a virtude é um meio para poder experimentar o prazer da felicidade, que seria um tipo de alegria, a meu ver).

Assim, para os estóicos, a vida é como um jogo com regras e elementos de acaso. O valor não está na aposta, mas em jogar bem; de modo que colocar a felicidade (ou alegria) no resultado do jogo é um erro, pois isso nos torna reféns da sorte. Já colocá-la na forma como jogamos nos torna livres e inabaláveis. Mesmo que o jogo seja perdido, quem jogou bem saboreou a dignidade de sua conduta. O fracasso externo não afeta a excelência interna. Neste sentido, os estóicos defendiam que devíamos praticamente nos tornar indiferentes às nossas emoções. 

Entre os estóicos mais ortodoxos, como Epicteto, essa ideia se traduz numa disciplina emocional rigorosa: ao beijar a esposa ou o filho, ele se recorda de que está apenas beijando um mortal, um ser humano qualquer — e, portanto, deve estar preparado para perdê-los sem revolta. Já autores mais moderados, como Sêneca, admitem certa resposta emocional como natural, desde que não se transforme em descontrole. A dor pela morte de um ente querido, por exemplo, é compreensível, mas deve ser contida e orientada pela razão.

Essa é uma visão que difere da aristotélica, a qual defende a educação das emoções pela razão ao ponto de evoluirmos para além do autocontrole, para alcançarmos o estágio de uma harmonia psíquica — um alinhamento no qual a emoção promove um impulso para um objetivo a ser realizado que a razão confirma ser o correto para uma situação. O alcance de tal estágio representaria a posse da virtude de fato. Assim, enquanto no estoicismo uma ação baseada no autocontrole pode ser virtuosa, na visão de Aristóteles, a necessidade de exercer o autocontrole para se realizar o que a razão entende ser o certo indica que ainda não se possui uma virtude.

Por fim, vale mencionar que, como os estóicos consideram que cada pessoa é parte racional de um mesmo todo, uma grande comunidade cósmica unida não por sangue ou nação (mas por natureza racional comum), devemos tratar todos os seres humanos como irmãos. Essa fraternidade é então uma consequência direta da metafísica estóica; é uma decorrência lógica da estrutura da realidade (e não de supostas revelações e mandamentos externos).

Pontos fortes e fracos do estoicismo

O maior ponto forte da filosofia estóica, a meu ver, é incentivar a prática da racionalidade: interpretar corretamente a realidade e agir de forma adequada sempre que possível. Para os estóicos, temos controle sobre nossos julgamentos e, em certa medida, sobre nossas ações, quando estas não dependem de fatores externos. Além disso, essa ética se apoia numa metafísica coerente: a ideia de que o universo é regido por uma razão cósmica (o logos), da qual participamos. Assim, agir racionalmente é agir em harmonia com a natureza e, portanto, fazer o bem ao todo, o que inclui a nós mesmos.

Essa visão também sustenta uma política baseada na liberdade racional: todo adulto, por ser dotado de razão, deve ter o direito de tomar decisões sobre sua própria vida, desde que não prejudique o outro. O papel do Estado seria garantir que as leis evitem que uma pessoa prejudique outra e, principalmente, educar os cidadãos para que se tornem capazes de escolher racionalmente. Não faria sentido o Estado impor normas que visam "proteger" as pessoas delas mesmas. Em vez disso, o foco deveria ser formar indivíduos virtuosos e respeitar sua liberdade de escolha. Isso tornaria as leis mais coerentes e os cidadãos mais autônomos.

Outro ponto forte da filosofia estóica é sua justificativa racional para o amor aos outros seres humanos: como todos partilhamos do logos, somos parte de um mesmo corpo racional. Logo, ajudar o outro é também ajudar o todo e, por consequência, a nós mesmos. Isso nos leva a uma questão instigante: se a razão já nos ensina a amar o próximo, seria mesmo necessária uma religião para isso? Ou a filosofia, como guia racional de conduta, é suficiente para fundamentar a compaixão e a convivência justa?

Quanto aos pontos fracos do estoicismo, eles dizem respeito à sua compreensão, por vezes limitada, da natureza humana. O principal deles é o risco de ignorar que todo ser humano deseja, no fundo, ser feliz — e não apenas cumprir deveres virtuosamente, mesmo que isso não traga prazer ou realização interior. Aqui, o estoicismo parece se aproximar de uma ética do dever, na qual o bem do todo está acima de qualquer satisfação pessoal. Isso contrasta com a ética eudaimônica de Aristóteles, que entende a virtude como meio para a felicidade, e não como um fim em si. Assim, enquanto o estoicismo defende que, no jogo da vida, o importante é jogar bem, sem se preocupar em de fato cumprir missões e sentir felicidade com isso, a ética eudaimônica defende que devemos jogar bem com foco em cumprir as missões para, com isso, sentir felicidade — e, no fim das contas, “zerar o jogo”, o que significaria ter vivido uma vida que valeu a pena ser vivida.

Outra limitação estóica está na forma como a filosofia trata as emoções. Os estóicos propõem que a razão deve dominar as paixões, mas muitas emoções podem ser aliadas da razão quando bem educadas. A pessoa verdadeiramente virtuosa não é aquela que apenas se controla, mas aquela cujas emoções já estão alinhadas com seus valores racionais. Nesse sentido, o autocontrole seria uma etapa intermediária no desenvolvimento moral, não o ponto final. O estóico, ao valorizar apenas o controle racional, pode ficar preso a uma fase de conflito interno, enquanto o ideal eudaimônico é o da harmonia entre razão e emoção.

Por fim, a definição estóica de felicidade como tranquilidade (“ataraxia”) pode parecer pobre diante da experiência comum do prazer que sentimos quando estamos felizes. Ao tratar a virtude como um dever que leva à tranquilidade, o estoicismo corre o risco de ser confundido com uma ética da resignação. Há o perigo de que algumas pessoas confundam essa tranquilidade com estagnação ou com a zona de conforto, acreditando que estão sendo virtuosas apenas por evitarem o sofrimento. Isso pode levar à covardia disfarçada de sabedoria. Em resumo, o estoicismo é uma filosofia poderosa para nos ensinar a controlar paixões e aceitar o inevitável, mas talvez não seja suficiente para nos ensinar a florescer plenamente como seres humanos em busca de alegria, sentido e realização.

Este post foi inspirado no livro Teoria dos Sentimentos Morais (Adam Smith), o qual recomendo.

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