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O que é um bom ser humano?

Então... se não formos muito exigentes, podemos dizer que um bom ser humano é aquele que tem mais vícios do que virtudes — mesmo que seja só um pouco a mais — e, com isso, se comporta racionalmente em pelo menos 51% das vezes; nas outras 49%, age seguindo cegamente alguma inclinação ancestral, ou se mostra desatento, e assim pratica algum vício. Mas, cá para nós, esse é um ser humano "bonzinho", não exatamente um bom ser humano. Assim, entendo que um bom ser humano deve, para começar, apresentar um percentual bem mais alto do que esse — talvez se comportar racionalmente em 90% das vezes (especialmente em situações cruciais), ou seja, ser estavelmente racional. No entanto, ser estavelmente racional, a meu ver, ainda não é condição suficiente para vermos a pessoa como um bom ser humano. Isso porque agir racionalmente é agir com base no que se sabe até o momento. E, se a pessoa não sabe quase nada (o que inclui possuir um “saber” que não reflete razoavelmente bem a realidade), ...

O que é o autocontrole?

O autocontrole é uma faculdade que permite a ponderação a partir da chegada de uma nova informação, seja ela proveniente do mundo das percepções, das teorias, ou de ambos. Assim, trata-se de uma faculdade que não apenas nós, humanos, possuímos, mas também outros animais. Por exemplo, se um chimpanzé macho “necessitado” vê uma fêmea no cio, essa percepção pode levá-lo a inclinar-se para tentar copular. No entanto, se logo em seguida ele percebe a presença do macho alfa “ciumento” ao lado dela, essa nova informação tende a levá-lo a evitar o risco de sofrer uma agressão. Com isso, ele exercita, em alguma medida, o autocontrole, ponderando qual comportamento é mais vantajoso naquela situação. No caso dos humanos, também enfrentamos conflitos e exercitamos o autocontrole diante da chegada de novas informações perceptivas. Entretanto, uma informação resgatada da nossa visão de mundo também pode ser suficiente para nos levar à ponderação. Por exemplo: podemos perceber uma mulher atraente “d...

O que é a virtude da tristeza consciente?

A virtude da tristeza consciente se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso avaliar se tive mesmo fracasso na presença ou ausência de tristeza” . Assim como no caso da alegria consciente, essa prática ajuda a corrigir avaliações excessivamente otimistas ou pessimistas, de acordo com o saber e a experiência da pessoa. A tristeza, quando bem compreendida, cumpre um papel importante: o de incentivar o abandono de estratégias ineficazes que vêm sendo adotadas. No post “O que é a virtude da alegria consciente” , citei o exemplo do músico que percebe que não está alcançando o sucesso desejado ao tocar músicas covers. Embora receba aplausos e sinta alegria por isso, ao ter um momento de insight — a “ficha cair” — ele deixa de sentir alegria e entra num estado de neutralidade emocional. Entretanto, se ele estivesse praticando a virtude da tristeza consciente , talvez tivesse sentido tristeza em vez de neutralidade. Essa tristeza, por sua vez, poderia funcionar como um...

Por que Sócrates agiu eticamente ao aceitar a morte mesmo sabendo que foi condenado injustamente?

Sócrates, um dos maiores nomes da filosofia ocidental, foi levado a julgamento em Atenas no ano de 399 a.C., acusado de três crimes considerados graves para a sociedade da época: corromper a juventude, não reconhecer os deuses da cidade e introduzir novas divindades, especialmente ao falar de um daimon — uma espécie de voz interior que o guiava. Diante do tribunal, Sócrates não tentou se esquivar das acusações com bajulações ou artifícios retóricos. Pelo contrário, fez uma defesa firme e coerente, registrada por seu discípulo Platão na obra Apologia de Sócrates . Afirmou que sua vida sempre foi dedicada à busca da verdade e da virtude. Não se via como um mestre, mas como alguém que fazia perguntas para despertar a reflexão nas pessoas, desafiando crenças automáticas e ilusões de sabedoria. Sócrates destacou que nunca obrigou ninguém a segui-lo, nem impôs suas ideias — seu papel era provocar o pensamento crítico. E mais: afirmou estar cumprindo uma missão filosófica que, segundo ele, l...

O que é a virtude da alegria consciente?

A virtude da alegria consciente refere-se à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso avaliar se tive mesmo sucesso, considerando a presença ou ausência de alegria”. A prática de uma autorregra desse tipo ajuda a corrigir avaliações irracionalmente otimistas ou neutras. Assim, alguém que está desenvolvendo a virtude da alegria consciente consegue, por exemplo, desistir de seguir um caminho — ou seja, de continuar utilizando as mesmas estratégias — por ser capaz de corrigir avaliações equivocadas, como a crença de que está alcançando conquistas quando, na verdade, não está. É o caso, por exemplo, de um músico que, com base em seu conhecimento, desiste de continuar tocando músicas cover ao perceber que, embora receba aplausos em seus shows, não está alcançando o patamar de sucesso que almeja. Ele decide, então, adotar uma nova estratégia: passar a tocar músicas de sua própria autoria. Nesse cenário, o músico poderia estar se iludindo com base no melhor de seu saber sobre es...

O que é a virtude da curiosidade útil?

Curiosidade útil se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso escolher o melhor fim, esteja ou não sentindo curiosidade”. A prática dessa autorregra pode levar ao assentimento rápido de que um fim “fixado” , relacionado à investigação de algo, é de fato o melhor a ser buscado no momento. Nesse caso, não haveria necessidade de revisar o fim estabelecido, uma vez que ele passou pelo crivo de uma avaliação das consequências com base em teorias. Um exemplo disso é a decisão de uma pessoa de ler um livro relacionado ao seu campo de atuação ou, até mesmo, de ler conteúdos banais por considerar útil relaxar naquele momento, a fim de recuperar as energias. Contudo, nesse último caso, ao atingir um estado de relaxamento, a pessoa pode — ainda com base no tipo de princípio que estamos propondo — avaliar que continuar investigando coisas banais já não faz mais sentido. Nesse momento, seria racional deixar a curiosidade de lado e parar de investigar essas coisas, ao perceber...

O que é a virtude do amor?

A virtude do amor se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso buscar o melhor fim na presença ou ausência da compaixão”.Lembrando (como mencionei no post "O que são as emoções") qie a compaixão surge da avaliação de que algo — ou alguém — é um aliado (ou um aliado em potencial) em meio a uma dificuldade, o que gera, em nossa mente, o estabelecimento do fim de promover o seu bem. Em muitos contextos, podemos entender que esse é, de fato, o melhor fim a se buscar — como quando vemos um amigo em dificuldade financeira e, com base no melhor do nosso saber, julgamos que o mais correto é ajudá-lo a pagar as contas.Nesse caso, há uma validação consciente tanto da compaixão já vivenciada quanto do objetivo a ser realizado, e é justamente aí que ocorre a prática da virtude do amor . A virtude do amor também se manifesta quando saímos de um estado de neutralidade — talvez fruto da falta de atenção ao fato de que estamos diante de alguém que sabemos precisar de ...