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Quais são os pontos fortes e fracos do estoicismo?

Em sua obra Teoria dos Sentimentos Morais , Adam Smith nos oferece uma boa síntese do pensamento estóico, e então procede com suas considerações a respeito dela. Inspirado por tal atitude, aqui busco fazer o mesmo, mas de acordo com a minha visão sobre o estoicismo. Neste sentido, me valho da síntese elaborada pelo filósofo, lapidando-a em algumas poucas imprecisões (e aprofundando alguns aspectos), para então abordar o que vejo serem pontos fortes e fracos de tal pensamento. Síntese do pensamento estóico De acordo com Zenão, fundador do estoicismo, todo ser vivo é naturalmente inclinado à autopreservação e dotado de amor por si mesmo. Isso o leva a buscar manter sua existência e todas as partes da sua natureza na melhor condição possível. No ser humano, esse instinto abrange tanto o corpo quanto a mente, com todas as suas faculdades, e orienta-o a conservar e aperfeiçoar essas partes conforme a razão natural.   Assim, tudo o que favorece a manutenção dessas partes – como saúde, vi...

Como é a estrutura da evolução do saber humano?

Gosto muito da metáfora da árvore que Thomas Kuhn usa para ilustrar a evolução do conhecimento humano. Ela não pretende descrever uma estrutura exata, mas sim destacar que o conhecimento não evolui de forma linear. Em certos casos, teorias antigas — que estariam nas partes mais baixas da árvore — podem ser superiores a teorias mais recentes, situadas em galhos mais altos.  Essa metáfora pode ser expandida. Além de representar a não linearidade da evolução do conhecimento, ela também pode nos ajudar a entender sua estrutura . Nesse sentido, podemos imaginar: As raízes : representam as estruturas cognitivas básicas, cuja função é absorver elementos do mundo exterior para alimentar o pensamento. A seiva : simboliza os raciocínios. São eles que percorrem toda a estrutura da árvore e, quando conduzem a conclusões sólidas, geram crescimento. O tronco : formado por conclusões básicas e autoevidentes — verdades que até os animais não humanos são capazes de perceber, como a exist...

O que é um bom ser humano?

Então... se não formos muito exigentes, podemos dizer que um bom ser humano é aquele que tem mais vícios do que virtudes — mesmo que seja só um pouco a mais — e, com isso, se comporta racionalmente em pelo menos 51% das vezes; nas outras 49%, age seguindo cegamente alguma inclinação ancestral, ou se mostra desatento, e assim pratica algum vício. Mas, cá para nós, esse é um ser humano "bonzinho", não exatamente um bom ser humano. Assim, entendo que um bom ser humano deve, para começar, apresentar um percentual bem mais alto do que esse — talvez se comportar racionalmente em 90% das vezes (especialmente em situações cruciais), ou seja, ser estavelmente racional. No entanto, ser estavelmente racional, a meu ver, ainda não é condição suficiente para vermos a pessoa como um bom ser humano. Isso porque agir racionalmente é agir com base no que se sabe até o momento. E, se a pessoa não sabe quase nada (o que inclui possuir um “saber” que não reflete razoavelmente bem a realidade), ...

O que é o autocontrole?

O autocontrole é uma faculdade que permite a ponderação a partir da chegada de uma nova informação, seja ela proveniente do mundo das percepções, das teorias, ou de ambos. Assim, trata-se de uma faculdade que não apenas nós, humanos, possuímos, mas também outros animais. Por exemplo, se um chimpanzé macho “necessitado” vê uma fêmea no cio, essa percepção pode levá-lo a inclinar-se para tentar copular. No entanto, se logo em seguida ele percebe a presença do macho alfa “ciumento” ao lado dela, essa nova informação tende a levá-lo a evitar o risco de sofrer uma agressão. Com isso, ele exercita, em alguma medida, o autocontrole, ponderando qual comportamento é mais vantajoso naquela situação. No caso dos humanos, também enfrentamos conflitos e exercitamos o autocontrole diante da chegada de novas informações perceptivas. Entretanto, uma informação resgatada da nossa visão de mundo também pode ser suficiente para nos levar à ponderação. Por exemplo: podemos perceber uma mulher atraente “d...

O que é a virtude da tristeza consciente?

A virtude da tristeza consciente se refere à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso avaliar se tive mesmo fracasso na presença ou ausência de tristeza” . Assim como no caso da alegria consciente, essa prática ajuda a corrigir avaliações excessivamente otimistas ou pessimistas, de acordo com o saber e a experiência da pessoa. A tristeza, quando bem compreendida, cumpre um papel importante: o de incentivar o abandono de estratégias ineficazes que vêm sendo adotadas. No post “O que é a virtude da alegria consciente” , citei o exemplo do músico que percebe que não está alcançando o sucesso desejado ao tocar músicas covers. Embora receba aplausos e sinta alegria por isso, ao ter um momento de insight — a “ficha cair” — ele deixa de sentir alegria e entra num estado de neutralidade emocional. Entretanto, se ele estivesse praticando a virtude da tristeza consciente , talvez tivesse sentido tristeza em vez de neutralidade. Essa tristeza, por sua vez, poderia funcionar como um...

Por que Sócrates agiu eticamente ao aceitar a morte mesmo sabendo que foi condenado injustamente?

Sócrates, um dos maiores nomes da filosofia ocidental, foi levado a julgamento em Atenas no ano de 399 a.C., acusado de três crimes considerados graves para a sociedade da época: corromper a juventude, não reconhecer os deuses da cidade e introduzir novas divindades, especialmente ao falar de um daimon — uma espécie de voz interior que o guiava. Diante do tribunal, Sócrates não tentou se esquivar das acusações com bajulações ou artifícios retóricos. Pelo contrário, fez uma defesa firme e coerente, registrada por seu discípulo Platão na obra Apologia de Sócrates . Afirmou que sua vida sempre foi dedicada à busca da verdade e da virtude. Não se via como um mestre, mas como alguém que fazia perguntas para despertar a reflexão nas pessoas, desafiando crenças automáticas e ilusões de sabedoria. Sócrates destacou que nunca obrigou ninguém a segui-lo, nem impôs suas ideias — seu papel era provocar o pensamento crítico. E mais: afirmou estar cumprindo uma missão filosófica que, segundo ele, l...

O que é a virtude da alegria consciente?

A virtude da alegria consciente refere-se à habilidade de praticar uma autorregra do tipo: “preciso avaliar se tive mesmo sucesso, considerando a presença ou ausência de alegria”. A prática de uma autorregra desse tipo ajuda a corrigir avaliações irracionalmente otimistas ou neutras. Assim, alguém que está desenvolvendo a virtude da alegria consciente consegue, por exemplo, desistir de seguir um caminho — ou seja, de continuar utilizando as mesmas estratégias — por ser capaz de corrigir avaliações equivocadas, como a crença de que está alcançando conquistas quando, na verdade, não está. É o caso, por exemplo, de um músico que, com base em seu conhecimento, desiste de continuar tocando músicas cover ao perceber que, embora receba aplausos em seus shows, não está alcançando o patamar de sucesso que almeja. Ele decide, então, adotar uma nova estratégia: passar a tocar músicas de sua própria autoria. Nesse cenário, o músico poderia estar se iludindo com base no melhor de seu saber sobre es...