O império da subjetividade sobre a realidade
Ao buscar uma base inteiramente firme para o conhecimento, Descartes acabou deslocando o eixo da verdade: o que antes se apoiava no mundo e em sua ordem comum passou a residir no interior da consciência. Em sua tentativa de fundar o saber não mais na tradição, na autoridade ou na revelação divina, mas na própria capacidade humana de pensar, ele desconfiou de tudo o que pudesse ser enganoso — dos sentidos, das crenças, dos mestres — e procurou um ponto inabalável sobre o qual pudesse edificar a ciência. Ao encontrá-lo no “penso, logo existo”, inaugurou uma virada decisiva na história da filosofia: a certeza do pensamento passou a valer mais que a certeza do mundo. Como observa Hannah Arendt, a solução cartesiana para o “pesadelo da dúvida” não foi o retorno à realidade para além dos dogmas, mas o refúgio na consciência. Diante da incerteza sobre o que é externo, Descartes descobriu uma ilha de segurança no próprio ato de duvidar: mesmo que tudo fosse falso, o fato de duvidar era indubit...